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domingo, 16 de agosto de 2009
A BRUXA ENCANTADA
No final daquela rua tinha uma casa antiga com a pintura descascada pelo tempo, onde morava dona Izaurinha; uma mulher que perdeu sua única filha num acidente de carro, enlouquecendo de vez para o mundo.Como toda perda é dolorosa nunca mais quis levantar-se da cama, sendo cuidada por uma irmã de criação.
- Nada mais tem sentido nesta vida! - choramingava, preferindo ficar em seu quarto escuro a espera da morte.
Não suportava a luz do dia, reclamando por qualquer barulho e o pior, tinha raiva de todas as crianças.
Não se conformava em ter perdido justamente a sua menina, sem perceber que existem outras por toda a cidade aguardando apenas um colo de mãe.Em cada canto se encontra um filho.Basta procurá-lo com os olhos do coração.
As más línguas diziam que sua casa era assombrada, com um buraco no meio do quintal,como uma boca faminta que sugava as criancinhas.Tinha fama de louca, mas no fundo era apenas uma mulher sofrida que se negava a ser feliz de novo .
Ao lado do seu paredão medonho existia um sobrado erguido há mais de cinco anos que abrigava, com muita dificuldade, algumas crianças carentes.Porém dona Izaurinha se irritava com qualquer ruído que pudesse atrapalhar seu pesadelo eterno e todas as noites podiam ouvir os gritos neuróticos da velha bruxa, fazendo com que as crianças tremessem de medo.
Assim rezavam baixinho, pedindo a Deus o fim da guerra, da fome, da violência e da ira de dona Izaurinha .Queriam, de coração, que ela ficasse boa, permitindo que a luz do sol clareasse os seus dias.
Até que numa manhã de domingo, no quintal do abrigo, Clarice e Janete se pegaram numa briga danada!Tudo por causa de uma boneca cabeluda com o rosto riscado de tinta e dona de uma perna só.
Janete nem pensou duas vezes e atirou a infeliz para o céu.
Mas, pra quê! Foi direto na vidraça assombrada, da casa medonha...de dona Izaurinha .Ninguém deu um pio.Que medo!
Ouviram apenas o barulho de um caminhar pesado, como uma assombração.
Não conseguiriam imaginar o rosto tenebroso daquela mulher cheia de lendas e crendices.Talvez tivesse uma cara maligna que despertasse pavor, com seu jeito fúnebre e grotesco.Alguns minutos de silêncio e expectativa.O que aconteceria agora?
Foi quando um vulto abriu a cortina devagarzinho, tapando os olhos para não enxergar tanto brilho.O brilho daquelas crianças carentes a espera de um momento mágico.
Todos continuaram mudos com a estranha aparição e Janete começou a rezar baixinho, formando um coral de vozes junto com Clarice, Amanda, Sabrina, Priscila, Teodora...
Cada uma delas pedia a sua maneira que dona Izaurinha deixasse a luz da vida penetrar em seu quarto, na sua casa e na sua alma doente.
Num momento divino, ela encarou o rostinho miúdo daquelas crianças e percebeu que conservavam o semblante inocente de sua menina, que como toda menina, deseja apenas um pouco de amor.
Aconchegou a boneca junto ao peito e então um milagre aconteceu. Dona Izaurinha, que nunca foi bruxa, apenas uma mulher amargurada diante de suas perdas, sorriu.
- Não se preocupem.Vou devolver a boneca pessoalmente.
Ninguém acreditou ao ver Dona Izaurinha entrar no abrigo, carregando alguns pacotes nos braços.
- Esses brinquedos são para vocês.Eles estavam guardados comigo há anos; aprisionados num lugar muito triste e escuro, lá dentro do meu coração.Agora quero que eles se libertem, como eu preciso me libertar!
As crianças lhe abraçaram com carinho, pulando de alegria no seu colo e gritando “um viva” para tia Izaurinha.Ela não conseguiu conter os risos e as lágrimas, oferecendo-se como voluntária no abrigo para que pudesse lhes fazer companhia todas as tardes.
Finalmente havia compreendido que nunca é tarde para recomeçar e sentir o amor nascer de dentro para fora, porque nós fazemos parte de um todo e a nossa família é Universal, sempre unida num só coração.
Silmara Retti
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