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domingo, 16 de agosto de 2009

AMIGA DA ONÇA


















Ditinha era uma mulher sozinha na vida, sistemática e cá entre nós, meio biruta da cabeça.Quando cismava com uma coisa, saí de baixo! Era cilada.Sempre foi assim e achava engraçada a sua fama de desmiolada. Numa dessas noites de solidão resolveu abrir a janela do quarto apenas para tomar uma brisa, e de longe viu um homem lindíssimo passar.Parecia um artista de cinema! Um príncipe encantado que galopava em cima da sua bicicleta branca.Pronto, o coração veio na boca! Ela gamou.E como não gamar se era um homem forte, robusto, corado e principalmente sarado? Bem, na verdade não era nada disto. Estava escuro e Dimas, pobrezinho, voltava do serviço, com o pensamento longe dali.
Nem se deu conta da existência ridícula de Ditinha, que quase explodiu de emoção.Pronto, já murmurava pelos cantos que ele era o grande amor de sua vida; o homem que sempre esperou.Um deus em forma de gente!Seria o seu marido, pai dos seus filhos e o companheiro eterno.E ela tinha certeza, estavam namorando.Só que ele ainda não sabia.
Sabe por que? Porque Dimas já era muito bem casado há mais de dez anos com Sueli, a merendeira da escola.E o sonho dourado de Ditinha foi para o ralo quando ela viu pela primeira vez a “outra”.Seu mundo desmoronou, comentando para quem quisesse ouvir:
- Que feiosa! Que velha! Que baranga!
O destino não tinha o direito de lhe pregar uma peça assim, bloqueando os fluídos do amor.Mais que depressa teria que colocar um fim naquela palhaçada toda.Enquanto suspirava de paixão teve uma idéia fulminante: ficaria íntima daquela família, aproveitando pra dar o bote certeiro.Esperou que Sueli passasse para ir ao serviço, correndo ao seu encontro com um sorriso pregado no rosto.
Deu bom –dia, ofereceu receita de bolo de fubá, convite de aniversário, batizado e até de casamento...E a tonta da Sueli não entendia nada, surpreendendo-se cada vez mais com a simpatia contagiante de Ditinha .
Na mesma semana Ditinha já estava tomando um lanche reforçado na casa da outra, confortavelmente instalada no sofá da sala. Surpresa! Agora as duas eram carne e unha.Pareciam irmãs siamesas e agüenta coração ! Dimas não tinha nem tempo para reparar num fio do seu cabelo, porém ela estava louca por ele e disfarçava o máximo.
Pra sua sorte, Sueli era uma mulher cheia de superstições estranhas: curtia incenso, vela preta, branca e até “morena”.Acreditava em tudo o que lhe diziam e depois, desacreditava num piscar de olhos.Tinha figas no dedão direito, colocava fotos nos pés da santa e sal grosso atrás da porta.Epa ! Beleza pura! Ditinha fez um mistério danado para a amiga, querendo lhe confessar um segredo de infância: era vidente. A famosa, gloriosa e poderosa Mãe Ditinha .
O seu principal dom era conversar com mortos, no maior bate papo do mundo.Jogavam conversa fora e até truco, no meio da noite.E eles lhe contavam tudo: as notícias celestiais, a moda dos espíritos mais modernos e as últimas fofocas do bairro.
Ah, isto sim interessava a pobre otária que, rapidamente, marcou uma sessão especial com a sabichona.Mãe Ditinha revirava os olhos, deixava cair o beiço para o canto e hummm! Aquilo era segredo.
- Aquilo, o quê? – arregalou o olho.
Silêncio.Uma revelação de torrar os cabelos estava por vir.
- Vejo um homem moreno, bonitão e muito trabalhador que dorme em cima da sua cama...
- Sim, é o Dimas.- tremeu-se toda.- O que tem ele?
- Tem outra, minha filha. – confessou.-E esta outra é uma gata!
Mãe Ditinha dizia, em “transe”, que a sua rival era uma mulher charmosa, inteligente e poderosa. Não valia a pena competir com uma rival tão sexy assim, visto que Sueli era sonsa como ela só.
Com o passar do tempo, Mãe Ditinha, que de mãe não tinha nada, acabou com as economias da merendeira e detonou seu casamento com um tiro de canhão.Agora Sueli e Dimas estavam separados, definitivamente pela lei da desconfiança.Apesar dele jurar fidelidade de pés juntos, ela preferiu ir embora para a casa da irmã, no Sertão do Ubatumirim, esbravejando sobre a sua desventura e o seu azar fulminante.Azar? Sorte dela, que estava morando bem longe dali e não pode conferir de perto o mais novo casal que desfilava pelas ruas da cidade, no maior chamego do mundo.
Mãe Ditinha, que nunca foi vidente, conseguiu enxergar em Sueli toda a sua insegurança, revelando-se a verdadeira amiga-da-onça, pronta para dar o bote e agarrar o seu “maridão” com unhas e dentes!

Silmara Retti

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