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domingo, 16 de agosto de 2009
A MALA PERDIDA *
Zuleika não tinha um pingo de paciência com a sua tia aposentada e tudo nela lhe irritava profundamente.Tá certo que era uma boa mulher, muito honesta e prestativa com a família, mas falava pelos cotovelos e reclamava da própria sorte o dia inteiro.O seu assunto preferido era o colesterol, o reumatismo e a cãibra que sentia nas pernas todas às vezes que voltava do forró do Alonso.Só que de repente, assim do nada, tia Dodoca deu uma sorte num sorteio da Paróquia e ganhou de cara uma viagem com acompanhante para Aparecida do Norte, com direito a torta de sardinha e refrigerante diet.
Nisso todo mundo sumiu do mapa apenas para não lhe fazer companhia naquela cilada, restando apenas a sua sobrinha preferida: Zuleika.
Que dor de dente! Tia Dodoca apareceu logo cedo com as passagens na mão, chorando rodelas de cebola.
- Você vai viajar com a titia, Zuzu? Por favor, diga que vai.
E antes mesmo que pudesse dizer um NÃO bem redondo, ela fez uma lista descrevendo em detalhes o seu estado de saúde delicadíssimo. Talvez não sobrevivesse até o entardecer e com certeza a sua consciência não perdoasse tamanha desfeita.
Pronto, bingo! Zuleika, mesmo bicuda, arrumou as malas impecavelmente como tia Dodoca exigiu e partiram para a rodoviária antes que o dia clareasse. A menina não se conformava em ter que carregar quilos de muamba. Numa sacola tinha a blusa de lã, o gorro de tricô, o moletom vermelho...Na outra; a camiseta regata, a bermuda florida e o par de chinelos...E pra matar a pau mesmo ainda trazia um pote de frango com maionese, só para beliscar no caminho.
O ônibus deu partida enquanto tia Dodoca, toda deslumbrada, tirava mil fotos do lugar. Após duas horas de viagem o motorista resolveu parar numa cantina para um lanchinho básico, daqueles bem reforçado.
Zuleika sentia muita vergonha do seu jeito caipira e preferiu ficar bem longe.E aproveitando ao máximo o deslumbramento da tia fez questão de se esconder dela atrás da mureta do toalete.
- Que mico! – pensava - Tia Dodoca é um desenho animado!
Estava tão preocupada em armar um plano para se livrar da própria tia que não percebeu o destino daquele ônibus que saia do terminal, e correu afobada, tentando lhe alcançar.Rapidamente sentou-se na primeira poltrona ainda com o copo de refrigerante na mão e quando olhou para os lados, cadê? Tia Dodoca não estava sentadinha no mesmo lugar com aquela cara de paisagem que somente ela tinha igual...
- E agora? Perdi a mala sem alça! - resmungou.
Ela havia evaporado com todas as malas, as muambas e principalmente com o precioso pote de frango com maionese! Decerto estaria perambulando em algum lugar do mundo, sem destino certo, perdida e desmiolada...
Zuleika soltou um grito de desespero: por onde estaria vagando tia Dodoca, hein??! Levantou-se feito um raio certeiro e exigiu que o motorista parasse o ônibus na mesma hora.Quase enfartou e gaguejando muito, de puro nervoso, explicou a todos o sumiço da mala sem alça, chamada vulgarmente de tia Dodoca.
- Ela deveria estar plantada aqui nesta poltrona com os seus apetrechos de viagem, mas...sumiu no ar! – explicava.
De repente foi pensando no seu jeitinho caipira, na sua carinha de fuinha, nos seus olhos de coruja assustada...e por um instante lembrou-se também de tudo que a tia esquisita havia lhe proporcionado de bom; o passeio no parque quando ela ainda era uma garotinha, o jeito amoroso com que lhe ajeitava os cabelos embaraçados pelo vento, a voz rouca e cansada...
- Que saudades de tia Dodoca! – gritava, totalmente sem rumo.-
Sentiu que acima de todas as suas lamúrias ela era uma pessoa muito especial e não queria perder a tia no meio da estrada, feito uma Maria Ninguém, vítima do descaso de uma sobrinha ingrata.Ainda dizia:
- Ela é uma mulher desde tamanhinho assim, mas alegre, falante, extrovertida, bacana e maravilhosa! Quando eu tenho febre ela costuma passar a noite comigo, cuidando de mim.Ela sabe fazer um chá de camomila que é uma beleza...É a única que adora me levar ao médico todas ás vezes que fico doente. É uma mãe para mim.Ninguém viu tia Dodoca?
Debruçou-se na poltrona do ônibus e chorou copiosamente, enquanto tentavam lhe consolar, também com lágrimas nos olhos.
- EU quero a minha tia Dodoca agora! Apareça, tia Dodocaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Até que de repente, ao olhar para o lado de fora pôde perceber aquela pessoinha familiar ainda sentada na varanda da cantina, saboreando lentamente uma coxa de frango com maionese, sem entender o vexame que Zuleika estava dando após entrar no ônibus errado.
- Tia Dodocaaaaa! Não se mexa, me espera aí, querida!
A galera delirou, aplaudindo de pé o carinho da sobrinha com a própria tia.
- Isto que é amor! Coitada, a pobrezinha entrou no ônibus errado e pensou que havia perdido a tia...Que menina amorosa!
Todos comentavam emocionados ao presenciarem a cena comovente, digna de uma foto histórica.Zuleika enxugou o rosto umedecido pelas lágrimas e já morta de saudades abraçou aquela mulher como nunca havia feito antes, muito feliz por ter reencontrado tia Dodoca, após tantos desencontros diários!
Silmara Retti
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