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domingo, 16 de agosto de 2009
CÃO E GATO *
Quando a família Silva despencou de mala e cuia no quintal da casa nova não imaginou que o antigo proprietário estaria de plantão na porta da frente com um beiço de dobrar a esquina, morto de raiva por ter que dividir o seu espaço social com aquela gentalha intrometida.
Fininho era um gato farofeiro que adorava circular pela área querendo mesmo encher a barriga com a lixeira dos outros e depois cair de quatro com a boca aberta, roncando até babar de tanta preguiça.
Que coisa! Justo agora que tava no maior sossego, fiscalizando a vizinhança, aparece uma turma do barulho, querendo zoar o barraco! Encarou o jeito pomposo de seu Guilherme Silva empinar o umbigo só pra dizer que era o novo dono da casa, o chefão da Máfia: o kid Pança.Mas que nada! Quem apitava mesmo era uma velha coroca que trazia no colo uma representante da raça alienígena: uma cadelinha pequenez de nariz de torresmo e bunda empinada.
Deveria se achar a “Loira do Than” e não passava de uma tonta com olhos remelentos e dentes trincados.
Fininho lhe mostrou a língua em sinal se inimizade, querendo mesmo voar em sua garganta.Lady Laura nem se abalou.Estava com o corpo moído, debilitado por causa da mudança e queria se estender no colo de alguém somente para descansar.Encontraram-se por um instante e o mundo caiu!
De um lado estava Fininho com unhas e dentes.Do outro, Lady Laura sapateando em sua cabeça e se impondo como se ele fosse um “nada”. Era demais para o coração daquele pobre gato sofrido.
Estava na sua frente uma brega ridícula que se achava a popozuda do pedaço.Passou por ele, numa boa.Acho até que nem percebeu que existia, mas Fininho era do signo de escorpião; misterioso desde pequeno e vingativo por instinto.A casa era de sua extrema responsabilidade e a defenderia até a morte.
Os gatos são assim; todos sabem.E os cachorros são assados! Um não se bica com o outro.Enquanto Fininho se descabelava com a propriedade, Lady Laura se preocupava com a família Silva.Se eles se enjoassem dela ou se fosse colocada para escanteio por causa de um gato brega daqueles morreria de ciúmes!
Passavam horas se estranhando.Ele bufava pelos cantos, mirabolando um plano para enlouquecer Lady Laura e logo percebeu que ela se rachava ao meio de despeito.Conquistaria os encantos da vovozinha biruta e depois que caísse nas suas graças, baú-baú, nem se lembrariam mais que um dia passou por ali uma cadelinha mixuruca, com um nome de Drag Queen, vulgo Lady Laura.
-AH, Ah, Ah, quem mandou chegar assim, se fazendo de boa.Talvez se fosse mais humilde poderia lhe poupar desta vergonha.- resmungou.
Fininho se transformou num bebê e só faltava falar.Sorria tentando dizer bom dia e quando a vovozinha espirrava, fazia de tudo para rosnar:
- SAÚDE! - bem alto.
Ele estava totalmente educado e cheio de mimos.Não demorou muito para que fosse descoberto e fez o maior sucesso, para o desespero daquela pobre cadela deprimida.Ela já nem corria mais.Secou de puro sofrimento.
- Como Lady Laura está rabugenta! - comentavam - Que antipática! Nem parece a mesma mocinha da vovó...
E com isto nem ligavam mais para os seus fricotes.Ela quase pirou de vez.Fininho ria alto, já no colo de Seu Guilherme Silva ou no sapato das filhas e só de pirraça no tapetinho felpudo de Lady Laura.Ela que dormisse no chão!
Nisso começou a guerra.Não daria o colo de Seu Guilherme de bandeja para um picareta vigarista.Só que as gracinhas de Lady Laura não tinham mais graça e repararam até nos seus olhos remelentos, magoando a sua vaidade feminina.Dez a zero para Fininho!
Quem se atrevesse a encostar-se ao portão era surpreendido por seu jeito forte e feroz, porque ele aprendeu até a latir, para assustar qualquer um que passasse na rua.
- Cresça e apareça, minha filha. Não tem nem tamanho para tanta pose.- rosnava Fininho, já dançando tarantela só para impressionar a família.
Ele mudou a sua vida: nunca mais fez xixi no matinho ou soltou gases pela sala.Agora era um gato diferente e cheio de classe.
Nem roia mais o osso feito um desvairado.Só faltava comer de garfo e faca e a família Silva estava pasma com suas peripécias.
- Que gato FOFO!Parece um lordy! Quanta elegância!
E para infelicidade de Lady Laura, ele passou a ter um lugar de honra dentro do próprio quarto do casal.Agora estavam todos coladinhos e durante a novela das oito, enquanto ficavam de olho na telinha, os dois inimigos se trincavam de raiva na maior malandragem, com direito a golpe mortal. Só que pela manhã, na hora do leitinho desnatado, aquela morta de fome de uma figa havia simplesmente sumido do mapa.Fininho disfarçadamente espionou daqui, dali e nem sentiu o cheiro dela.Justo agora que lhe humilharia “trepado” no colo de Seu Guilherme Silva, mas Lady Laura não estava em nenhum lugar.
Ele foi se desesperando com um pressentimento terrível: a coitadinha evaporou de pura tristeza.
A casa estava cheia de gente, porém vazia de tudo.Eram inimigos, mas já tinha acostumado a lhe atiçar a ira e lhe cutucar a “pereba” da orelha com uma vara curta.Não era mais gostoso ficar dependurado nas pernas da vovozinha biruta se aquela “víbora” não estava por perto para ver.E Fininho quase desfigurou.Que saudade das brigas, do forrobodó, das suas remelas queridas...Não pensou duas vezes e foi atrás do seu KARMA : único motivo de se sentir vivo e feliz.
Fininho era um gato esperto e conhecia cada poste daquela vila. Não foi difícil encontrar uma linda donzela perdida na rua.Lady Laura não precisava se martirizar por uma vovozinha traiçoeira que nem havia percebido o seu sumiço.Não lhe tinha nem um pingo de carinho! Queria apenas um “mico de circo” para agradar o ambiente.Fininho sim sentiu a sua falta, quase morrendo de tédio.Não era mais o mesmo e precisava dos fricotes de Lady Laura para viver em paz.
Então o que seria dele, sem ela? Com certeza Lady Laura já teve de tudo nesta vida: biscoitinho de polvilho e iogurte de frutas, porém nada se comparava em ter a companhia “desagradável” de alguém que lhe queria muito bem.Eles sorriram, dispostos a recomeçar. Com uma imensa vontade de curtir aquele romance extravagante, mas sincero e feroz. E viva as diferenças, pois na verdade ninguém é igual a ninguém e vale a pena amansar as feras para se viver uma linda história de Amor!
Silmara Retti
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